Por João Paulo Ferreira | 7 junho, 2024 - 14:53
Na aldeia remota dos marubo, na Amazônia, os hábitos mudaram com a chegada da internet via satélite da Starlink, empresa de Elon Musk. Adolescentes agora navegam no Instagram, adultos se conectam com parentes distantes, e jogos de futebol são assistidos ao vivo. Essa conectividade, inédita em um dos locais mais isolados do planeta, trouxe benefícios e desafios para a comunidade indígena.
Os marubo vivem às margens do rio Ituí, em ocas comunitárias, e preservam tradições como o uso de ayahuasca e a caça de macacos-aranha. O isolamento manteve seu modo de vida por séculos, mas desde setembro, a aldeia conta com internet de alta velocidade graças à SpaceX, ligando-os ao mundo exterior. A aldeia de 2.000 membros é uma das centenas no Brasil conectadas pelo Starlink.
A chegada da internet foi celebrada inicialmente, trazendo facilidades como videochamadas e pedidos de socorro em emergências. No entanto, Tsainama Marubo, de 73 anos, observa que os jovens têm se afastado das tradições e se tornado preguiçosos. “Eles estão aprendendo os costumes dos brancos”, lamenta, embora peça para que a internet não seja retirada. “Mas por favor, não tirem nossa internet”, ela disse, expressando a ambiguidade da nova realidade.
O dilema da internet é evidente: enquanto se tornou indispensável, trouxe problemas como vício em redes sociais, desinformação e acesso a conteúdos inadequados. A comunidade marubo enfrenta agora os mesmos desafios que a sociedade moderna enfrenta há décadas, mas de forma repentina. Adolescentes estão grudados nos celulares, e surgem discussões sobre como lidar com a mudança cultural.
A ascensão do Starlink, com mais de 6.000 satélites em órbita baixa, permitiu que regiões antes desconectadas, como a Amazônia, tivessem acesso rápido à internet. O serviço se espalhou por 99 países e 66 mil contratos ativos na Amazônia brasileira, transformando a vida das comunidades locais, incluindo a dos marubo. O impacto vai além da conectividade, trazendo novos desafios e oportunidades.
Para Enoque Marubo, um dos líderes da comunidade, a internet pode dar autonomia ao seu povo, permitindo melhor comunicação e acesso à informação. No entanto, a integração da tecnologia gerou divisões internas. Alguns líderes temem a perda da cultura oral e o impacto negativo da pornografia e dos jogos violentos sobre os jovens. “Estou preocupado que eles de repente queiram imitá-los”, disse Kâipa Marubo sobre os jogos de tiro que seus filhos jogam.
Enoque, juntamente com Flora Dutra, ativista brasileira, e Allyson Reneau, benfeitora americana, liderou a iniciativa de levar o Starlink para a aldeia. Embora a internet tenha facilitado a comunicação e salvado vidas em emergências, líderes marubo agora discutem os limites e o futuro dessa conexão. “Quando chegou, todos ficaram felizes”, disse Tsainama Marubo, destacando a mudança de percepção ao longo do tempo.
Alfredo Marubo, crítico vocal da internet na comunidade, alerta para os riscos de perda cultural e comportamentos inadequados. “Todos estão tão conectados que às vezes nem falam com sua própria família”, disse. A preocupação com a pornografia é particularmente acentuada, com líderes observando mudanças nos comportamentos sexuais dos jovens. Alfredo destacou a importância de preservar os valores tradicionais da comunidade.
A SpaceX, ao fornecer o serviço de internet, não apenas conectou a Amazônia ao mundo, mas também trouxe novos desafios. A internet, essencial para emergências e comunicação, também expôs os marubo a influências externas que ameaçam sua cultura. O equilíbrio entre modernidade e tradição é uma questão central para os líderes da comunidade. “A internet já salvou vidas”, disse Enoque, ressaltando os benefícios imediatos.
Enoque e Flora continuam a expandir o acesso à internet para outras comunidades indígenas, enfrentando críticas sobre a velocidade e o treinamento inadequado na introdução da tecnologia. Flora argumenta que os grupos indígenas querem e merecem conexão. “Isso se chama etnocentrismo —o homem branco pensando que sabe o que é melhor”, disse, defendendo a autonomia dos povos indígenas em decidir sobre o uso da tecnologia.
Enquanto alguns líderes debatem os impactos, a realidade é que a internet se tornou parte essencial da vida na aldeia marubo. O desafio agora é equilibrar os benefícios tecnológicos com a preservação da identidade cultural. “Eu acho que a internet nos trará muito mais benefícios do que danos”, disse Enoque. “Pelo menos por enquanto.”
Independentemente disso, voltar atrás não é mais uma opção. “Os líderes foram claros”, disse Enoque. “Não podemos viver sem a internet.” A comunidade marubo segue em frente, tentando conciliar o mundo digital com suas tradições seculares.
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