O ataque da Rússia à Ucrânia vai afetar a economia mundial. Seus primeiros efeitos já aparecem nos mercados financeiros, com disparada das cotações do petróleo, valorização do dólar e queda das bolsas. Se o conflito perdurar ou mesmo se envolver outros países, pode resultar em desaceleração mais forte no crescimento econômico global.
No Brasil, o primeiro efeito do conflito deve ocorrer sobre a inflação. Mais especificamente, sobre os preços dos derivados do petróleo, como gasolina e diesel, e de alimentos feitos a partir de trigo e milho. Os preços de fertilizantes também tendem a subir, elevando os custos da produção agrícola. Isso num momento em que a inflação já roda acima de 10% ao ano e sem dar sinais de trégua – o IPCA-15 de janeiro superou expectativas e levou o acumulado de 12 meses a 10,76%.
Com petróleo acima de US$ 100, combustível deve ficar ainda mais caro
Por volta das 11h desta quinta-feira (24), o óleo tipo Brent subia mais de 7%, cotado pouco abaixo de US$ 101. Depois, a alta perdeu força, e às 16h o barril subia pouco menos de 3%, negociado abaixo de R$ 97.
Na avaliação do banco suíço Julius Baer, a escalada da crise na Ucrânia “leva a economia e os mercados à beira do pior cenário, onde a crise começa a se transformar em um choque econômico, não apenas um choque de sentimento”.
Em relatório a clientes, o head de economia e pesquisa de próxima geração do banco, Norbert Rücker, afirma que “os preços do petróleo e do gás natural se tornaram o barômetro do medo da crise”, e que “qualquer interrupção dos fluxos entre a Rússia e a Europa, devido a danos ou sanções, aumentaria drasticamente a escassez de oferta já existente”.
Como a formação de preços da Petrobras considera o mercado internacional do petróleo e a taxa de câmbio, é muito provável que o aumento das cotações – se persistir – seja repassada aos preços na refinaria, logo chegando aos postos de combustíveis. O aumento dos preços do petróleo no ano passado, de 77% em reais, foi a principal explicação da empresa para o lucro recorde que ela reportou na quarta-feira (23), de mais de US$ 106 bilhões no acumulado de 2021.
Antes do conflito no Leste Europeu, os derivados do petróleo já estavam entre os principais responsáveis pela escalada da inflação do Brasil. Segundo o IBGE, o preço médio dos combustíveis veiculares no Brasil subiu 44% em 12 meses até janeiro. A gasolina subiu 43%, o óleo diesel, 46% e o gás natural (GNV), 36%.
Preços de trigo, milho e fertilizantes podem subir
Tanto Rússia quanto Ucrânia são grandes produtores e exportadores de trigo e milho – juntos, os dois países respondem por quase 30% das exportações globais do primeiro e 20% do segundo. Por volta de 16h, os contratos futuros do trigo para entrega em maio subiam cerca de 5,6% na Bolsa de Chicago. No caso do milho, a alta era de 1,9%.
“Com uma das terras mais férteis do planeta, a Ucrânia é um destaque da agricultura europeia há séculos. Atualmente, o país é responsável pela produção de 13% do milho e 7% do trigo mundiais. Além disso, a Ucrânia é um dos maiores exportadores mundiais de outros grãos, como cevada e centeio”, afirma Pedro Serra, head de research da Ativa Investimentos, em relatório enviado a clientes nesta manhã.
O analista observa que parte substancial das terras agrícolas ucranianas estão ficam no leste do país, área mais vulnerável a ataques russos. “Caso o surgimento de um conflito bélico na Ucrânia venha a afetar de forma significativa as safras agrícolas do país, podem ocorrer efeitos diversos ao redor do mundo, nomeadamente nos preços de trigo, milho e fertilizantes agrícolas”, diz Serra.
Outro problema para os fertilizantes é que parte deles é produzida a partir do gás natural, que deve ficar mais caro. “Como mais de 40% do gás consumido na Europa é proveniente da Rússia, o agravamento da crise pode levar aumentos no preço. Por sua vez, o gás natural é o principal insumo utilizado na produção de fertilizantes nitrogenados, o que tende a aumentar o preço desses produtos, após um ano de alta significativa para os fertilizantes em 2021”, afirma o analista.
A aversão ao risco nos mercados internacionais, somada à expectativa de alta dos juros nos Estados Unidos, tende a fortalecer o dólar. No Brasil, a moeda norte-americana recuou por várias semanas até fechar em R$ 5 na quarta, a menor cotação desde julho de 2021. Porém, nesta quinta a taxa de câmbio está mais cara.
Por volta de 11h, o dólar comercial subia quase 2%, vendido por cerca de R$ 5,10. Perto das 16h, a alta chegava a 2,5%, com a moeda negociada por cerca de R$ 5,13. Enquanto isso, o principal índice da B3, a Bolsa brasileira, recuava perto de 2% durante boa parte da manhã e da tarde.
Para além da inflação, existe uma preocupação com o desempenho de grandes economias, como Estados Unidos e China. Eventual redução na atividade econômica dessas potências teria impactos no mundo todo, e o Brasil – que na avaliação de muitos economistas já flertava com a estagnação antes mesmo da hipótese de um conflito no Leste Europeu – dificilmente passaria incólume.
Neste momento, a mediana das projeções do mercado financeiro aponta para um crescimento de apenas 0,3% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro neste ano. Porém, o governo contesta enfaticamente essas estimativas. Na terça-feira (22), o ministro Paulo Guedes disse que os analistas vão passar o ano revisando o PIB para cima, e que os prognósticos provavelmente chegarão a 2% – que é a expectativa da equipe econômica.
Em relatório, o banco suíço Julius Baer listou algumas das incertezas capazes de influenciar os mercados daqui em diante: “O Ocidente acompanhará a escalada com sanções máximas, apesar do pesado custo econômico que um novo aumento nos preços do petróleo acarreta? Como a China e a Índia se envolverão no conflito, já que também pagam grande parte dos custos econômicos? As petronações se curvarão à pressão do Ocidente e removerão todas as restrições de fornecimento para bombear mais petróleo? Veremos um acordo nuclear revivido e o Irã voltando ao mercado de petróleo como um importante exportador?”.
Quais os negócios do Brasil com Rússia e Ucrânia
Em 2021, a Rússia foi o sexto país que mais exportou ao Brasil. As compras de produtos russos mais que dobraram (alta de 107%) em relação a 2020 e chegaram a US$ 5,7 bilhões, segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério da Economia.
No sentido oposto, a Rússia foi o 36.° destino das exportações brasileiras em 2021. O Brasil vendeu US$ 1,59 bilhão aos russos no ano, 4,2% a mais que no ano anterior. Os principais produtos vendidos foram soja (US$ 343 milhões), carne de aves (US$ 167 milhões), café (US$ 133 milhões), amendoim não torrado (US$ 130 milhões) e açúcar (US$ 127 milhões).
A Ucrânia, por sua vez, é apenas o 75.° cliente do Brasil no exterior. Dados da Secex mostram que, em 2021, a venda de produtos brasileiros para o país eslavo somou US$ 226,8 milhões, com alta de 65,3% no ano. Amendoim descascado, minérios de alumínio e açúcares de cana foram os principais produtos vendidos para os ucranianos.
A Ucrânia está em 63.° no ranking das importações brasileiras, mas sua importância vem aumentando. Em 2021, o país vendeu US$ 211 milhões ao Brasil, quase três vezes o valor do ano anterior, com destaque para semimanufaturados de ferro e aço e PVC.