O ataque da Rússia à Ucrânia vai afetar a economia mundial. Seus primeiros efeitos já aparecem nos mercados financeiros, com disparada das cotações do petróleo, valorização do dólar e queda das bolsas. Se o conflito perdurar ou mesmo se envolver outros países, pode resultar em desaceleração mais forte no crescimento econômico global.

No Brasil, o primeiro efeito do conflito deve ocorrer sobre a inflação. Mais especificamente, sobre os preços dos derivados do petróleo, como gasolina e diesel, e de alimentos feitos a partir de trigo e milho. Os preços de fertilizantes também tendem a subir, elevando os custos da produção agrícola. Isso num momento em que a inflação já roda acima de 10% ao ano e sem dar sinais de trégua – o IPCA-15 de janeiro superou expectativas e levou o acumulado de 12 meses a 10,76%.

Com petróleo acima de US$ 100, combustível deve ficar ainda mais caro

O petróleo tradicionalmente sobe em momentos de conflito e, sendo a Rússia grande produtora de óleo bruto e gás natural, a preocupação com o fornecimento é ainda maior, o que pressiona ainda mais as cotações. O barril passou de US$ 100 pela primeira vez desde 2014.

Por volta das 11h desta quinta-feira (24), o óleo tipo Brent subia mais de 7%, cotado pouco abaixo de US$ 101. Depois, a alta perdeu força, e às 16h o barril subia pouco menos de 3%, negociado abaixo de R$ 97.

Na avaliação do banco suíço Julius Baer, a escalada da crise na Ucrânia “leva a economia e os mercados à beira do pior cenário, onde a crise começa a se transformar em um choque econômico, não apenas um choque de sentimento”.

Em relatório a clientes, o head de economia e pesquisa de próxima geração do banco, Norbert Rücker, afirma que “os preços do petróleo e do gás natural se tornaram o barômetro do medo da crise”, e que “qualquer interrupção dos fluxos entre a Rússia e a Europa, devido a danos ou sanções, aumentaria drasticamente a escassez de oferta já existente”.

Como a formação de preços da Petrobras considera o mercado internacional do petróleo e a taxa de câmbio, é muito provável que o aumento das cotações – se persistir – seja repassada aos preços na refinaria, logo chegando aos postos de combustíveis. O aumento dos preços do petróleo no ano passado, de 77% em reais, foi a principal explicação da empresa para o lucro recorde que ela reportou na quarta-feira (23), de mais de US$ 106 bilhões no acumulado de 2021.

Antes do conflito no Leste Europeu, os derivados do petróleo já estavam entre os principais responsáveis pela escalada da inflação do Brasil. Segundo o IBGE, o preço médio dos combustíveis veiculares no Brasil subiu 44% em 12 meses até janeiro. A gasolina subiu 43%, o óleo diesel, 46% e o gás natural (GNV), 36%.

Preços de trigo, milho e fertilizantes podem subir

Tanto Rússia quanto Ucrânia são grandes produtores e exportadores de trigo e milho – juntos, os dois países respondem por quase 30% das exportações globais do primeiro e 20% do segundo. Por volta de 16h, os contratos futuros do trigo para entrega em maio subiam cerca de 5,6% na Bolsa de Chicago. No caso do milho, a alta era de 1,9%.

Os dois países também estão entre os maiores fornecedores de fertilizantes. Eventuais restrições na produção ou no transporte desses produtos, portanto, vão inflar seus preços.

“Com uma das terras mais férteis do planeta, a Ucrânia é um destaque da agricultura europeia há séculos. Atualmente, o país é responsável pela produção de 13% do milho e 7% do trigo mundiais. Além disso, a Ucrânia é um dos maiores exportadores mundiais de outros grãos, como cevada e centeio”, afirma Pedro Serra, head de research da Ativa Investimentos, em relatório enviado a clientes nesta manhã.

O analista observa que parte substancial das terras agrícolas ucranianas estão ficam no leste do país, área mais vulnerável a ataques russos. “Caso o surgimento de um conflito bélico na Ucrânia venha a afetar de forma significativa as safras agrícolas do país, podem ocorrer efeitos diversos ao redor do mundo, nomeadamente nos preços de trigo, milho e fertilizantes agrícolas”, diz Serra.

Outro problema para os fertilizantes é que parte deles é produzida a partir do gás natural, que deve ficar mais caro. “Como mais de 40% do gás consumido na Europa é proveniente da Rússia, o agravamento da crise pode levar aumentos no preço. Por sua vez, o gás natural é o principal insumo utilizado na produção de fertilizantes nitrogenados, o que tende a aumentar o preço desses produtos, após um ano de alta significativa para os fertilizantes em 2021”, afirma o analista.

Aversão ao risco empurra para cima as cotações do dólar

A aversão ao risco nos mercados internacionais, somada à expectativa de alta dos juros nos Estados Unidos, tende a fortalecer o dólar. No Brasil, a moeda norte-americana recuou por várias semanas até fechar em R$ 5 na quarta, a menor cotação desde julho de 2021. Porém, nesta quinta a taxa de câmbio está mais cara.

Por volta de 11h, o dólar comercial subia quase 2%, vendido por cerca de R$ 5,10. Perto das 16h, a alta chegava a 2,5%, com a moeda negociada por cerca de R$ 5,13. Enquanto isso, o principal índice da B3, a Bolsa brasileira, recuava perto de 2% durante boa parte da manhã e da tarde.

Para além da inflação, existe uma preocupação com o desempenho de grandes economias, como Estados Unidos e China. Eventual redução na atividade econômica dessas potências teria impactos no mundo todo, e o Brasil – que na avaliação de muitos economistas já flertava com a estagnação antes mesmo da hipótese de um conflito no Leste Europeu – dificilmente passaria incólume.

Neste momento, a mediana das projeções do mercado financeiro aponta para um crescimento de apenas 0,3% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro neste ano. Porém, o governo contesta enfaticamente essas estimativas. Na terça-feira (22), o ministro Paulo Guedes disse que os analistas vão passar o ano revisando o PIB para cima, e que os prognósticos provavelmente chegarão a 2% – que é a expectativa da equipe econômica.

Em relatório, o banco suíço Julius Baer listou algumas das incertezas capazes de influenciar os mercados daqui em diante: “O Ocidente acompanhará a escalada com sanções máximas, apesar do pesado custo econômico que um novo aumento nos preços do petróleo acarreta? Como a China e a Índia se envolverão no conflito, já que também pagam grande parte dos custos econômicos? As petronações se curvarão à pressão do Ocidente e removerão todas as restrições de fornecimento para bombear mais petróleo? Veremos um acordo nuclear revivido e o Irã voltando ao mercado de petróleo como um importante exportador?”.

Quais os negócios do Brasil com Rússia e Ucrânia

Em 2021, a Rússia foi o sexto país que mais exportou ao Brasil. As compras de produtos russos mais que dobraram (alta de 107%) em relação a 2020 e chegaram a US$ 5,7 bilhões, segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério da Economia.

Desse total, pouco mais de R$ 3,5 bilhões foram em adubos e insumos para fertilizantes. Hulha (um tipo de carvão mineral), com US$ 480 milhões, e óleos de petróleo (US$ 433 milhões) aparecem na sequência da lista.

No sentido oposto, a Rússia foi o 36.° destino das exportações brasileiras em 2021. O Brasil vendeu US$ 1,59 bilhão aos russos no ano, 4,2% a mais que no ano anterior. Os principais produtos vendidos foram soja (US$ 343 milhões), carne de aves (US$ 167 milhões), café (US$ 133 milhões), amendoim não torrado (US$ 130 milhões) e açúcar (US$ 127 milhões).

A Ucrânia, por sua vez, é apenas o 75.° cliente do Brasil no exterior. Dados da Secex mostram que, em 2021, a venda de produtos brasileiros para o país eslavo somou US$ 226,8 milhões, com alta de 65,3% no ano. Amendoim descascado, minérios de alumínio e açúcares de cana foram os principais produtos vendidos para os ucranianos.

A Ucrânia está em 63.° no ranking das importações brasileiras, mas sua importância vem aumentando. Em 2021, o país vendeu US$ 211 milhões ao Brasil, quase três vezes o valor do ano anterior, com destaque para semimanufaturados de ferro e aço e PVC.