Por João Paulo Ferreira | 27 setembro, 2021 - 16:22
Quando decidiu estudar as harpias da Amazônia, em 2016, maior ave de rapina do Brasil à beira de extinção, o biólogo especialista em predadores Everton Miranda se assustou com o que viu: relato de 181 águias da espécie mortas em dois anos apenas no norte de Mato Grosso, uma região de 3 mil km² que integra o chamado Arco do Desmatamento.
Para investigar o motivo, o biólogo conta que entrevistou moradores locais, como “sitiantes, latifundiários, grileiros e outras figuras, em sua maioria pecuaristas que produzem carne”.
O resultado das entrevistas foi ainda mais preocupante: os relatos indicavam que 80% das harpias abatidas no período haviam sido mortas por curiosidade e os outros 20% por retaliação contra ataques aos animais da região – a harpia é predador natural de macacos e bichos-preguiça.
‘”Matei pra ver com a mão’, ‘atirei pra ver o tombo’, ‘matei por que nunca tinha visto um ‘gavião’ desse tamanho’ eram algumas das respostas que eu recebia”, lembra Miranda.
Na época, Miranda, que desenvolvia seu doutorado na Universidade de KwaZulu-Natal, na África do Sul, recebeu um financiamento internacional para sua pesquisa com as harpias e, em troca, precisaria propor soluções para o problema.
Foi aí que, inspirado no turismo de observação das onças pintadas em seu habitat natural, famoso no Mato Grosso, nasceu a ideia de transformar a harpia, conhecida no país como gavião-real, em símbolo do turismo local.
Conhecida por ser fiel ao seu território, a harpia pode usar por décadas a mesma árvore como ninho para seus filhotes. Além disso, a águia é exuberante: típicas das florestas da América do Sul, ela pode chegar a 9kg e a 2,2m de envergadura.
“O comportamento da harpia é conveniente ao turismo: elas não se deslocam, fixam ninho em um local e não saem dali se não forem forçadas a sair. Então, precisávamos localizar os ninhos e montar torres de observação próximas para que o turista observasse a aves”, explica Miranda.
Após um ano mapeando os ninhos com ajuda dos próprios moradores e povos indígenas da região – o projeto oferecia uma quantia em dinheiro para cada pessoa que localizasse um ninho – o turismo de observação de harpias no Mato Grosso começou em 2017. Os principais turistas atraídos para a experiência foram idosos estrangeiros.
“Além de gerar renda local, o projeto praticamente acabou com o abatimento das harpias por motivos fúteis, como a curiosidade em chegar perto do animal. Além disso, foi uma lição ambiental didática aos moradores: eles começaram a ver pessoas cruzando o mundo só para conhecer o quintal da casa deles, então eles passaram a cuidar desse quintal”, diz o biólogo.
Sempre que um ninho é localizado, o projeto monta uma torre de observação para os turistas e instala uma câmera para monitorar as harpias por um mínimo de 90 dias. As imagens depois são estudadas pelo biólogo. Foi assim que Miranda conseguiu comprovar que a ideia era bem sucedida: desde 2017, apenas 3 harpias foram abatidas na mesma área de 3 mil km².
“Após implementarmos o turismo, as taxas de abate da harpia caíram de cerca de 90 aves ao ano para menos de 1 morte por ano”, afirma o especialista em predadores.
Enquanto a harpia, a maior águia do mundo, ocorre apenas em florestas em bom estado de conservação, o Arco do Desmatamento, na contramão, é uma região de 500 mil km² da Amazônia que vem sendo intensamente desmatada por causa do avanço da fronteira agrícola e da pecuária.
Um estudo de 2019 de Miranda já havia apontado que o desmatamento e a consequente perda de habitat extinguiu a harpia em quase toda a América Central e do Sul – a exceção ainda é a Amazônia brasileira.
“A espécie é considerada Vulnerável à Extinção, dado que 93% de sua distribuição atual está na Amazônia. Os outros 7% são poucas populações viáveis em regiões da América Central e da Mata Atlântica”, explica.
Porém, em junho, Miranda e um grupo de biólogos internacionais publicou um estudo na revista Nature demonstrando que a harpia da Amazônia também está ameaçada: quando a perda florestal chega a 50%, os filhotes daquela região morrem de fome por falta de alimento.
Isso ocorre, principalmente, porque a harpia, além de não caçar em ambientes abertos, não consegue encontrar alimento na região desmatada, já que a sua presa, mamíferos que vivem em árvores, desaparecem das regiões onde não há mais árvores.
Assim, o estudo publicado na Nature conclui que, em área onde o desmatamento da Amazônia chega a 70%, as harpias nem chegam mais. Com 50% de desmate, os filhotes morrem de fome.
Por isso, para incentivar donos de terras no Mato Grosso a não desmatarem suas florestas que ainda têm ninho de harpias, o projeto de turismo coordenado por Miranda repassa uma parte do valor cobrado aos turistas para os proprietários dos imóveis.
“Uma árvore em pé no meio do mato não vale mais que R$ 300, R$ 400 para o dono da terra no Arco do Desmatamento. Ali, a terra vale mais quando é devastada, porque depois ela vai ser transformada em pastagem. Então, a ideia foi remunerar o proprietário do terreno para manter suas árvores e abrir o local para a visitação de turistas”, explica o biólogo.
Com a pandemia de coronavírus, o turismo de observação de harpia no norte do Mato Grosso foi interrompido, uma vez que as viagens internacionais – origem da maioria dos turistas na região – foram canceladas. Mas a região já está mundialmente famosa entre documentaristas e pesquisadores, garante Miranda, e são essas visitas que têm mantido o projeto vivo.
Atualmente, o projeto conta com 35 ninhos de harpias mapeados para o turismo no Mato Grosso e, o melhor, preservados da extinção.
As informações são do site G1
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