Nos últimos 10 anos, a crise do transporte público em Campo Grande, administrado pelo Consórcio Guaicurus, tem sido marcada por denúncias, tentativas frustradas de investigações legislativas e um declínio na qualidade dos serviços prestados. O sistema, que deveria ser uma solução de mobilidade urbana, tornou-se sinônimo de reclamações, abandono por parte dos usuários e disputas judiciais.
Apesar de sete tentativas de instaurar Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) na Câmara Municipal para investigar o Consórcio, nenhuma foi levada adiante. Ao mesmo tempo, a Justiça lida com casos que expõem a precariedade do serviço, como o acidente que deixou uma passageira com sequelas permanentes, e especialistas criticam o modelo de gestão.
Desde 2013, vereadores têm proposto CPIs para investigar o contrato e os serviços do Consórcio Guaicurus, responsável pelo transporte público desde 2012. No entanto, todas as propostas foram arquivadas ou engavetadas por articulações políticas, mesmo quando atingiram o número mínimo de assinaturas necessário para sua abertura.
Em 2015, a possibilidade de uma investigação surgiu após a tarifa ser reajustada de R$ 3 para R$ 3,25, apesar de a concessionária ter isenção fiscal. Mas a proposta não avançou. Em 2016, denúncias de superlotação e falta de manutenção da frota não resultaram em medidas concretas. Em 2019, protestos de passageiros e suspeitas de direcionamento na licitação que favoreceu o Consórcio motivaram novas propostas de CPI, mas, novamente, os pedidos não tiveram apoio suficiente.
A última tentativa relevante ocorreu em 2022, quando o vereador André Luis apresentou um requerimento para investigar o Consórcio por problemas como frota sucateada, tarifas altas e falta de acessibilidade. Embora tenha obtido apoio inicial, o pedido foi arquivado e substituído pela criação de uma Comissão Permanente de Mobilidade Urbana, considerada por críticos como insuficiente para resolver os problemas estruturais do transporte.
O descaso com o serviço prestado tem impactado diretamente a população. Dados mostram que, desde 2012, mais de 14 mil passageiros abandonaram o transporte público em Campo Grande, cansados de enfrentar superlotação, atrasos e veículos sucateados. De 2017 a 2019, o Consórcio retirou 35 ônibus de circulação, reduzindo ainda mais a oferta de transporte, enquanto pressionava por reajustes tarifários.
Atualmente, a frota disponível é inferior à de anos anteriores, e moradores denunciam que linhas e horários cortados durante a pandemia de Covid-19 ainda não foram restabelecidos. Especialistas apontam que a falta de investimentos em qualidade tem afugentado os usuários, criando um ciclo de perdas financeiras para o sistema e insatisfação para a população.
A crise no transporte público também se reflete em casos graves como o de uma passageira que ficou com sequelas permanentes após cair no vão entre o ônibus e a plataforma do Terminal General Osório, em 2020. A auxiliar de serviços gerais passou por cirurgia para implantar uma placa com parafusos no tornozelo e ainda sofre limitações físicas severas.
Apesar de a perícia confirmar que as sequelas estão diretamente relacionadas ao acidente, o Consórcio Guaicurus tenta negar responsabilidade no processo e busca reverter a indenização pedida pela vítima, que inclui R$ 40 mil por danos morais e R$ 50 mil por danos estéticos. O julgamento do caso está marcado para março deste ano.
Especialistas em mobilidade urbana criticam o modelo de gestão adotado em Campo Grande. O foco exclusivo em obras de infraestrutura, como os corredores de ônibus, deixa de lado a qualidade do serviço e prejudica diretamente os passageiros.
Além disso, a pressão constante por reajustes tarifários gera conflitos judiciais e agrava a insatisfação popular. Recentemente, o Consórcio tentou aumentar a tarifa técnica de R$ 5,95 para R$ 7,79, mas a Justiça negou o pedido, determinando que a Prefeitura recalculasse os valores.
A crise do transporte público em Campo Grande expõe não apenas a ineficiência do Consórcio Guaicurus, mas também a falta de ação política para resolver os problemas estruturais do sistema. Com tentativas de investigação frustradas, abandono do serviço por milhares de usuários e um modelo de gestão criticado, o futuro do transporte coletivo na capital segue incerto.