As mudanças climáticas e a degradação ambiental podem levar ao desaparecimento de parte significativa dos anfíbios no Pantanal nos próximos 75 anos. Um estudo recente, publicado no Journal of Applied Ecology, alerta que entre 16% e 27% das espécies podem ser extintas até 2100, tornando a situação alarmante. Além disso, mais de 80% das espécies da área de estudo perderão habitat adequado, o que compromete sua sobrevivência.
A pesquisa foi conduzida pelo cientista Diego Santana, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), em parceria com a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), além de pesquisadores suíços. O estudo analisou a diversidade e a distribuição dos anfíbios na bacia do Alto Paraguai, região que abrange o Pantanal, e revelou que esses animais estão entre os mais vulneráveis às mudanças ambientais.
“Existe uma conexão direta entre as crises hídricas, os incêndios florestais e a degradação ambiental e o aumento do risco de extinção. Dentre os organismos mais vulneráveis às mudanças climáticas estão os anfíbios, que são dependentes de água e pântanos”, explica Diego Santana, coordenador do Laboratório de Biogeografia e História Natural de Anfíbios e Répteis.
Atualmente, estima-se que existam cerca de 17 mil anfíbios no Pantanal. No entanto, menos de 6% da região é protegida por áreas de conservação, o que aumenta a fragilidade dessas espécies. Segundo os pesquisadores, se nada for feito, o desaparecimento em massa desses animais será inevitável.
O estudo utilizou dados coletados ao longo de anos, analisando a distribuição geográfica e a densidade populacional dos anfíbios na bacia do Alto Paraguai. Foram consideradas variáveis climáticas, como temperatura e regime de chuvas, além de impactos diretos causados pela ação humana, como desmatamento e queimadas.
A partir de projeções matemáticas e simulações ambientais, os pesquisadores avaliaram os cenários possíveis para o futuro dos anfíbios. Em um cenário otimista, a perda de área de ocorrência das espécies pode chegar a 41% até 2100. Em um cenário mais realista, considerando o ritmo atual das mudanças climáticas, até três em cada dez espécies podem desaparecer do Pantanal.
O estudo também destaca o risco para espécies específicas, como o Melanofrimiscus furvogutatus, encontrado apenas na região de Porto Murtinho. “Na região de Porto Murtinho tem uma espécie de barriga vermelha com o nome científico Melanofrimiscus furvogutatus, que não existe em outro lugar do Brasil todo. Então, quem quiser ver esse bicho ou saber mais sobre o animal, só tem ali, naquela região. Infelizmente, ele é um dos que está nessa lista, mas daqui há 30 ou 40 anos, muito provavelmente, ele desaparecerá, se não agirmos rápido”, reforça Santana.
Os anfíbios desempenham um papel fundamental no ecossistema pantaneiro. Como predadores naturais de insetos, ajudam a controlar populações de pragas e contribuem para o equilíbrio da cadeia alimentar. Além disso, são indicadores ambientais importantes, pois sua pele altamente permeável os torna sensíveis a mudanças no clima e na qualidade da água.
“Mesmo seguindo o Acordo de Paris, o aquecimento global já é uma realidade de hoje e não algo só para o futuro. Só não temos crise de Dengue, Zika ou outras doenças emergentes maiores porque existem os sapos, além de outros anfíbios como rãs e pererecas, que também são responsáveis pelo controle de vários vetores de doenças”, explica o pesquisador.
O impacto não se restringe à biodiversidade. O estudo também alerta para prejuízos econômicos, principalmente no agronegócio. “Se você retira todos os anfíbios das áreas próximas às lavouras, das fazendas, não tem mais sapo coaxando, isso causaria prejuízo de milhões de dólares ao agronegócio. Por que tem sapo perto das lavouras? Porque eles comem muitos insetos que são de interesse econômico, como os besouros, mosquitos e gafanhotos, considerados pragas em plantações. Então, se não fizermos algo para mudar, porque o cenário só piora, esse impacto provavelmente vai ser muito maior”, enfatiza Santana.
A degradação do Pantanal avança rapidamente, impulsionada por fatores como:
Entre as possíveis ações para reduzir os impactos, os pesquisadores destacam:
Apesar da existência de algumas Unidades de Conservação, o estudo aponta dificuldades na realização de pesquisas nesses locais, devido a entraves burocráticos e limitações de acesso. “Ainda não conseguimos desenvolver pesquisas bem-feitas neste local, por motivos burocráticos ou de acesso. Existem várias propriedades rurais que são muito importantes e algumas realmente respeitam seus limites de preservação, mas deveríamos melhorar o monitoramento e fiscalização”, pontua Santana.
Os cientistas alertam que, embora a extinção de algumas espécies já seja inevitável, ainda há tempo para minimizar os impactos e evitar um colapso ecológico maior. “Às vezes, a espécie não foi necessariamente extinta e sim desapareceu de algumas regiões devido aos fatores externos. Isso também é muito ruim, porque estamos perdendo aos poucos vários animais. Perdemos muito com isso e o habitat também. Imagina não ter o som dos sapos, as cores que eles trazem para o ambiente e, definitivamente, essa situação pode levar à extinção de outras espécies também”, lamenta o pesquisador.
A população pode contribuir apoiando projetos ambientais e pressionando autoridades por políticas mais rígidas de proteção ambiental. Sem medidas urgentes, o Pantanal pode perder grande parte de sua biodiversidade nas próximas décadas.