O mundo amanheceu cinzento. A morte do papa Francisco deixou a todos um pouco órfãos. Faz falta a sua leveza, a sua escuta e a sua palavra. Francisco foi para junto do Pai. O papa da misericórdia, o papa da alegria, do bom humor, da esperança. O papa dos pobres e do planeta agora descansa.
Uma música antiga, há muito cantada na Igreja, diz que “o Espírito é vento incessante que nada há de prender, ele sopra até o absurdo que a gente não quer ver”. Sempre penso nela quando falo de Francisco. Um papa associado ao progresso, ao novo, há quem diga que a “reformas” (termo que uso com cautela) não dificilmente é refletido em tradições, canções e leituras antigas.
As primeiras comunidades cristãs, conta Lucas nos Atos dos Apóstolos, tinham por princípio a fração do pão, a disposição de tudo, propriedades e bens, em comum e divididos conforme a necessidade de cada um. Priorizavam os marginalizados e vulneráveis daquele tempo (órfãos e viúvas).
Os esforços do Papa Francisco não foram somente para criar algo novo, mas para trazer para o agora uma essência que parecia perdida, mas nele pudemos sentir novamente. E que o novo não é “do nada”, é fruto do olhar para o Cristo, este sim sempre novo, e caminhar com Ele.
Cuidar do irmão, atender prioritariamente os mais pobres, ser misericordioso, não julgar, acolher a todos, ver Jesus no irmão e não se conformar com um sistema que o exclui, amar. Tudo tão elementar na fé cristã, mas trazido por Francisco com ares de novidade, porque ele nos mostrou com maestria que Jesus é sempre novo, que é sempre tempo de deixarmo-nos contagiar e guiar pela novidade do Evangelho.
E com essa novidade foi que Francisco olhou para o mundo, nos fez pensar e agir. Chamou-nos a refletir sobre o cuidado com o planeta, que ele tão bem chamava “casa comum”, e ao dizer que, colocados num paraíso, não podíamos deixar um deserto a nossos filhos, nos apresentou a noção de Ecologia Integral.
Foi às periferias. Das cidades, do planeta, do espírito. Dizia-nos da importância de sermos uma “igreja em saída”, que preferia uma igreja “acidentada” por sair nas estradas que uma doente por se fechar em si mesma. Não à toa foi um papa peregrino.
Trouxe o novo de Cristo para a Igreja: deu mais espaço às mulheres, reconheceu o papel de liderança que exercem nas comunidades. Chamou o clero a pensar uma Igreja mais sinodal e menos clerical, com protagonismo maior dos leigos. Enfrentou as nossas mazelas, determinou rigorosas apurações de crimes sexuais cometidos por membros do clero.
Convidou-nos à humanidade. Humilde, rejeitou morar no palácio apostólico. E na Casa Santa Marta, local de hospedagem para clérigos que visitam o Vaticano, dividia o refeitório com todos os funcionários. Perguntado dessas renúncias respondia com ainda mais humildade e humanidade: dizia que não gostava de ficar só, fazer as refeições sozinho, e por isso resolveu residir ali, comer com todos como fazia Jesus. Rejeitou o papamóvel blindado, dizia que não pode dizer a um povo que o ama se há um muro entre ele e as pessoas. Foi o papa do abraço, da risada, do olhar que abençoa.
O papa humano nos ensinou a escutar. Quando perguntado o que dizia nos telefonemas ao pároco de Gaza respondeu sereno: “eu escuto”. Quando falou em ecologia e respeito nos convidou a ouvir a ciência, mas também o que têm a dizer os povos originários. Ampliou e valorizou o diálogo inter-religioso, caminhou rumo à unidade.
Francisco rompeu com o farisaísmo e a hipocrisia. Rejeitou a frieza do rito pelo rito. Nos ensinou a amar, pensar em todos e em cada um. Seu papado recitou o Evangelho: Dar de comer e de beber aos que precisam, acolher os imigrantes, visitar os presos e os doentes.
Acolhimento, misericórdia, escuta, diálogo, ir às periferias, não se encaixar na lógica de exploração: são grandes os legados do pontificado de Francisco.
Manoel de Barros dizia que “a palavra amor anda vazia, não tem gente dentro dela”. Francisco encheu de gente e de sentido a palavra amor. Incansável, agora descansa junto a Deus. Não à toa se foi logo após celebrar a ressurreição de Cristo ao teimar em derramar em nós a sua humanidade e se apresentar debilitado, mas cheio de força.
Descansa, Francisco.
De cá seguiremos a Cristo contigo.
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