A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga o transporte público em Campo Grande concluiu na última segunda-feira (2) a segunda fase dos trabalhos, identificando falhas sistemáticas na fiscalização do contrato entre a prefeitura e o Consórcio Guaicurus, responsável pela operação do sistema de ônibus da capital. A etapa, chamada de “Oitivas Iniciais”, reuniu depoimentos de servidores e ex-servidores da Agência Municipal de Regulação dos Serviços Públicos Delegados (Agereg), apontando omissões que, segundo os parlamentares, comprometem a transparência e a qualidade do serviço.
Durante os depoimentos finais da fase, prestados por Luciano Assis Silva e Renato Assis Coutinho — ex-diretores de Estudos Econômico-Financeiros da Agereg — foi confirmado que o consórcio não entregava o fluxo de caixa exigido para os estudos de equilíbrio financeiro do contrato. Sem esses dados, a agência não teria como avaliar se o consórcio estava cumprindo corretamente suas obrigações e se a tarifa paga pelos usuários estava compatível com os custos operacionais. O envio desses documentos só começou após a instalação da CPI.
A relatora da comissão, vereadora Ana Portela, questionou a omissão da Agereg diante da falta de informações. “Se não fosse aberta essa CPI, ia ficar por isso mesmo? Eles não iriam entregar e a Agereg iria só aceitar?”, criticou. Segundo ela, há anos a agência não realiza auditorias sobre o contrato de concessão. Para Portela, a atuação da Agereg tem sido marcada por omissões que deixam o transporte público sem fiscalização efetiva.
O presidente da CPI, vereador Dr. Lívio, afirmou que a comissão já evidenciou falhas estruturais no modelo de regulação e disse que o trabalho técnico realizado tem credibilidade. “O serviço prestado tem qualidade ruim, há insatisfação evidente, e é hora de discutir que tipo de transporte público queremos para Campo Grande. O contrato precisa de ajustes e vamos apresentar caminhos possíveis”, afirmou.
A comissão também apura conflito de interesses envolvendo ex-servidores da Agereg. O ex-diretor Renato Assis Coutinho, por exemplo, passou a prestar serviços ao Consórcio Guaicurus depois de deixar o cargo público. O vereador Júnior Coringa alertou para o risco de cooptação de servidores por empresas que deveriam ser fiscalizadas. “Hoje o servidor fiscaliza o consórcio. Amanhã, pode ser contratado por ele com um salário melhor. Qual a motivação para fiscalizar com rigor?”, questionou.
Coringa defendeu que o relatório final da CPI inclua propostas para criação de uma regra de quarentena para ex-servidores e reforçou a necessidade de concursos públicos para garantir independência técnica às agências reguladoras. “Se fosse concursado, esse servidor não estaria hoje prestando serviços para quem ele deveria fiscalizar”, afirmou.
Desde o início dos trabalhos, a CPI já recebeu 581 denúncias sobre problemas no transporte coletivo. Foram 501 mensagens por WhatsApp, 45 e-mails, 32 formulários online, duas ligações telefônicas e uma denúncia presencial. As principais reclamações relatam atrasos, superlotação, más condições dos ônibus e falhas na comunicação com os usuários.
A comissão volta a se reunir nesta quarta-feira (4) para organizar o cronograma de oitivas com os dirigentes e funcionários do Consórcio Guaicurus, que passam a ser o foco da próxima fase da investigação. O relatório final da CPI deve propor alterações contratuais, revisão na atuação da Agereg e medidas legais para reforçar a fiscalização e a transparência do transporte público na capital.