Por Viviane Freitas | 13 maio, 2022 - 10:51
Thauanny Maíra tem só 23 anos, mas já deu passos importantes para sua carreira de roteirista. Da zona periférica de Campo Grande, no bairro Moreninhas, a jovem teve a oportunidade de entrar para o mundo do cinema graças ao incentivo da mãe e das irmãs. Agora, ela é uma das roteiristas mais jovens da cidade e já produziu um curta sobre o bairro que cresceu.
A irmã caçula das duas irmãs, ela foi criada por sua mãe solo, Sheila Almeida, que com muita garra, criou sozinha as filhas. “Sempre fui ensinada logo cedo a ser muito independente, embora fosse a caçula. Não foi uma infância muito fácil, mas com certeza muito feliz, apesar das dificuldades – minha mãe trabalhou bastante para manter nós três”, disse.
Thauanny relatou ao OSM que sempre estudou em escola pública, e que, apesar de vir de uma zona periférica, sempre teve uma boa estrutura familiar, o que foi muito importante para chegar onde chegou. “Eu nunca tive as melhores oportunidades e condições financeiras, mas tive essa estrutura. Estudei em colégios públicos, mas que me permitiram ter vivências e conhecer outros lugares e pessoas”, diz.
A história da roteirista começou ainda na infância ao assistir ao filme matriz de 1999. “Eu era muito pequena, mas lembro que assisti milhares de vezes o mesmo filme e fiquei fascinada com todos os detalhes, queria entender como era feito cada efeito. Demorei um tempo, mas me descobri no roteiro”, afirma.
Ela relembra que esse foi o start para iniciar na área: “Eu não sabia escrever ainda, mas estava apaixonada pelo filme, então eu comecei a criar as minhas histórias, tudo que saia da minha cabeça eu ditava para minha irmã e ela escrevia em um papel para mim”, conta.
Aos 14 anos ela iniciou em seu primeiro emprego, em uma distribuidora de gás do seu tio, embora o ramo não era o desejado, ela encontrou uma maneira de mudar a situação. “No local eu encontrei uma câmera que meu tio não usava e pedi para comprar, de forma parcelada e ele me vendeu. Foi assim meu primeiro contato com uma câmera e eu comecei a fazer fotos de pôr do sol, de amigos, familiares e editava minhas imagens, era o máximo”, diz.
No ensino médio ela já tinha em mente a profissão que queria seguir, mas ainda não existia a faculdade certo. “Não existia curso de audiovisual na cidade, o mais próximo que tinha era Publicidade e Propaganda. Eu cheguei a a fazer uma prova e passei no curso de audiovisual em uma faculdade pública na Bahia, mas minha mãe não deixou, pois ainda era menor de idade, então decidi iniciar o de Publicidade”, explica.
Já na faculdade, ela começou a estagiar em agências, jornais, mas ainda não tinha se encontrado na profissão. “Eu não estava totalmente feliz com o que estava fazendo, então comecei a procurar produtoras na cidade e encontrei um bem conhecida e me ofereci para estagiar sem remuneração, somente pelo aprendizado, mas acabei sendo contratada de forma remunerada e foi uma porta aberta que fez chegar até aqui”, comenta. Comecei a conhecer, gravar documentário, fazendo um freelas e as coisas começaram a fluir.
Foi no curta-metragem “A Margem é o Centro” que a jovem começou a mostrar o seu trabalho. Ela reuniu um grupo de profissionais para filmar personagens do bairro Moreninhas, um dos mais famosos de Campo Grande. “Com certeza é um trabalho que tenho como um ‘xodó’, não foi o meu melhor trabalho, nem a maior produção, mas a primeira experiência que tive uam autonomia, de escolher equipe, roteiro, dirigir, e foi de muito aprendizado, depois dessa produção eu cresci muito profissionalmente”, conta.
Produzido em sua maioria por jovens negros, segundo a diretora, o curta-metragem dá voz aos moradores da periferia. “Acredito que esse filme é o começo de um novo movimento de ressignificação dos espaços marginalizados, das pessoas que ali vivem e produzem, ninguém melhor para contar a nossa história do que nós mesmos”, acredita Thauanny.
“Quero mostrar para os jovens negros que se interessam pelo audiovisual que a gente precisa se juntar para criar uma identidade nossa, porque o audiovisual é muito elitizado, essas iniciativas, não é um espaço que foi criado, aos poucos um projeto como esse tem o papel de desenvolver esse espaço”, pontua. O projeto foi contemplado pela Lei Aldir Blanc. O documentário está disponível no canal do Youtube do filme.
Amor a Profissão
Para a roteirista, a profissão reflete o amor que ela tem por contar histórias de lugares que fizeram parte de sua realidade, e das pessoas que observa nas ruas. “Desde criança, eu gostava de criar histórias. E ser roteirista, para mim, é poder dar voz às histórias que vemos nas ruas, e geralmente não são contadas”, destaca.
Um dia gravando em uma mansão, outro dia na periferia, a jovem diz que trabalhar com audiovisual é poder estar em todos os cenários possíveis. “O que me marca todos os dias, é encontrar todas essas diferenças, é um aprendizado todos os dias”, conta.
Representatividade
Para ela, ainda é preciso romper algumas barreiras. Sobre, ser uma mulher, negra, em uma função dominada por homens, Thauanny diz: “Isso é algo que sempre mexeu comigo, falta referência feminina aqui no estado, não temos muitas referências. Já passei por situações de machismo, de subestimarem minha capacidade por ser mulher, mas isso nunca me fez parar. Eu entendi a importância de precisarmos de mais mulheres atuando na área, já é difícil ser mulher e mulher negra então”, relata.
“Acima de tudo foi muito mais a questão de um exercício, um primeiro passo de algo que pode se tornar muito grande, de jovens que podem meio que dominar esse cenário, que eu acho que está muito atrasado, é sempre uma bolha que é difícil da gente entrar, mas que agora que conseguimos é para fazer a diferença”, ressalta.
Sobre suas expectativas e novos projetos ela diz: “Eu espero desenvolver trabalhos pessoais, produções independentes, e construir uma carreira sólida”, comenta.
Para aqueles que estão começando, ela deixa o seu recado: “Demonstre aquilo que acredita. Não dê ouvidos para críticas que não são construtivas e acredite no seu potencial”, conclui.
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