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‘Povo brasileiro não quer conflitos entre as instituições’, diz Lula na abertura do ano judiciário

Em discurso, presidente da República pregou a pacificação entre os três poderes e exaltou a atuação do STF após os atos no DF do dia 8 de janeiro

Por João Paulo Ferreira | 1 fevereiro, 2023 - 15:34

Nesta quarta-feira (1º) o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), discursou na cerimônia de abertura do ano legislativo de 2023. O chefe de Estado falou logo depois da ministra e presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, e do presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (PSD). Na cerimônia realizada no próprio STF, também estavam presentes, além dos 11 ministros da Corte, o ex-presidente da República, José Sarney, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Beto Simonetti, o procurador-geral da República, Augusto Aras, e outras autoridades. Em seu discurso, Lula pregou a pacificação entre os poderes após um período eleitoral conturbado e as invasões aos prédios da Praça dos Três Poderes: “O povo brasileiro não quer conflitos entre as instituições. Não quer agressões, intimidações nem o silêncio dos poderes constituídos. O povo brasileiro quer e precisa, isso, sim, de muito trabalho, dedicação e esforços dos Três Poderes no sentido de reconstruir o Brasil”.

“Quando tive a honra de participar da solenidade de abertura do ano judiciário de 2010, a última do meu segundo mandato, afirmei que nossa geração de governantes e de magistrados tinha uma nobre missão, deixar para os que estão por vir um ambiente democrático ainda mais sólido do que aquele que encontramos quando nos ingressamos em nossas funções. Naquele momento, nem eu, nem as senhoras e senhores poderíamos imaginar a escalada de ataques às instituições da democracia nos anos recentes. Escalada que culminou com o bárbaro atentado à sede dos Três Poderes. Naquele dia 8 de janeiro, a violência e ódio mostraram sua face mais absurda: o terror. Não foi um episódio nascido por geração espontânea, mas cultivado em sucessivas investidas contra o direito e a Constituição, com o objetivo de sustentar um projeto autoritário de poder. Ao fim deste período que marcou certamente o mais duro teste da democracia brasileira desde a Constituição de 88, é nosso dever registrar o papel decisivo do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na defesa da sociedade brasileira contra o arbítrio”, iniciou Lula.

O presidente classificou como “corajosas e absolutamente necessárias” as recentes decisões do Supremo e do TSE. Em sua visão, a atuação dos ministros ajudou a deter “o retrocesso, o negacionismo e a violência política”: “Em defesa da Constituição e dos direitos, esta Corte atuou durante a pandemia para tirar da inação um governo que se recusava a atender as necessidades básicas da população. Atuou para enfrentar a indústria de mentiras no submundo das redes sociais e para coibir os mais notórios propagadores do ódio político. Atuou, por meio de seus representantes na Justiça Eleitoral, para garantir nosso avançado processo eletrônico de votação e a própria realização das eleições do último ano. Esta Corte atuou e continua atuando para identificar e responsabilizar por seus crimes aqueles que atentaram, de maneira selvagem, contra a vontade das urnas. A história há de registrar e reconhecer esta página heroica do Judiciário brasileiro”.

Na sequência, o presidente relembrou dos atos violentos do dia 8 de janeiro, que culminaram na invasão e depredação das sedes dos Três Poderes, e fez um apelo para a atuação conjunta das instituições em prol de pautas necessárias ao país: “Assim como qualquer pessoa que preza a Constituição e a democracia, me senti profundamente indignado ao visitar esta Casa, ao lado de governadores de todo o Brasil, logo na noite seguinte aos ataques terroristas. Sei que levarei essa indignação para o resto da minha vida. E sei que ela me fez redobrar a disposição de defender a democracia, conquistada a duras penas pelo povo brasileiro. Mais do que um plenário reconstruído, o que vejo aqui é o destemor de ministras e ministros na defesa de nossa Carta Magna. Vejo a disposição inabalável de trabalhar dia e noite para assegurar que não haja um milímetro de recuo em nossa democracia. Tenham a certeza de que, assim como em meus dois mandatos anteriores, a relação entre o Executivo Federal, a Suprema Corte e o Poder Judiciário como um todo terá como alicerce o respeito institucional”.

“Nossos reais inimigos são outros: a fome, a desigualdade, a falta de oportunidades, o extremismo e a violência política, a destruição ambiental e a crise climática. Tenho a certeza de que juntos vamos enfrentá-los. E de que juntos poderemos superá-los. Numa nação historicamente marcada pelas desigualdades, a tarefa de superá-las tem de ser compartilhada entre todas as pessoas e instituições com responsabilidade pelos destinos do país. A Constituição democrática de 1988 assegurou amplos direitos individuais, sociais e coletivos que apontam caminhos para grandes transformações. Cabe a nós tirarmos do papel este conjunto de direitos, assegurando a todos o acesso a uma vida digna, à educação e saúde, à renda, trabalho e oportunidades, à liberdade e ao desenvolvimento sustentável. Só assim a democracia será sempre defendida por aqueles que dela necessitam: a imensa maioria da população. Uma democracia para poucos jamais será uma verdadeira democracia”, afirmou.

Na parte final de seu discurso, Lula declarou que o STF é um “ator fundamental na luta contra as desigualdades” e relembrou exemplos de decisões históricas, muitas vezes controversas, proferidas pela Corte. “Para citar apenas exemplos do nosso tempo, foi neste sentido que a Corte decidiu pela constitucionalidade da Lei de Cotas no acesso às universidades, da titulação das terras de comunidades quilombolas, da união estável entre pessoas homoafetivas, da pesquisa com células-tronco e da homologação da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol. Nenhuma daquelas decisões foi tomada sem debates profundos e muitas vezes acalorados na sociedade e no próprio colegiado; cobrando muitas vezes de ministras e ministros o preço da incompreensão, do preconceito e da contrariedade de interesses econômicos e políticos. No entanto, é esta a essência de sua missão, que seguiremos respeitando, em nome da democracia e do restabelecimento da harmonia entre as instituições.”

“Quero, por fim, afirmar que o Poder Executivo estará à disposição do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça para o diálogo e a construção de uma agenda institucional que aprimore a garantia e a materialização de direitos neste país, pois onde houver um só cidadão injustiçado não haverá verdadeira Justiça. Renovando mais uma vez nosso compromisso com a democracia, tenho a mais absoluta certeza de que conseguiremos cumprir nossa missão”, finalizou Lula.

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