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Cientistas testam vacina contra HIV em 4 estados do Brasil

A vacina está sendo aplicada em pessoas soronegativas que tenham o risco aumentado de exposição à infecção

Por Viviane Freitas | 13 julho, 2021 - 12:04

O desenvolvimento em tempo recorde de várias vacinas contra a covid-19 parece ter dado o impulso que faltava para a criação de um imunizante contra o HIV.

Quarenta anos depois do início da pandemia de aids, o mundo parece estar perto de ter um produto eficaz na prevenção da infecção.

Um estudo com mais de 6 mil pessoas está sendo conduzido em vários países da África, Europa, América do Norte e América Latina, inclusive no Brasil. Para especialistas, é o mais promissor em quatro décadas.

O estudo está dividido em duas frentes. A primeira delas, na África Subsaariana, testa 2.637 mulheres heterossexuais.

Uma segunda, chamada de Mosaico, conduzida na Europa, na América do Norte e na América Latina, está testando 3.600 voluntários, entre homens homossexuais e pessoas trans.

No Brasil, o estudo ocorre em oito centros de pesquisa em São Paulo, no Rio, em Minas e no Paraná.

A pesquisa está na fase 3, que testa a eficácia em larga escala. As fases 1 e 2, com menos voluntários, determinam a segurança do produto e a dose apropriada.

Numa fase anterior, em macacos, o imunizante apresentou uma proteção de 67% contra a infecção.

É por conta deste número que os cientistas estão otimistas. Até hoje, o candidato a vacina contra a aids mais eficaz já testado no mundo apresentava proteção de 30% – e sua pesquisa foi deixada de lado.

“Nas fases 1 e 2, a vacina se mostrou muito segura. Os efeitos colaterais são parecidos aos da AstraZeneca contra a covid: dor local, febre por um dia, dor de cabeça”, afirma o infectologista Ricardo Vasconcelos, coordenador da fase 3 no Hospital das Clínicas, em São Paulo.

“A imunogenicidade do produto, ou seja, o quanto ele conseguiu induzir uma resposta imune, foi considerada muito satisfatória. Resta saber se essa resposta é capaz de reduzir a incidência da infecção.”

A vacina está sendo aplicada em pessoas soronegativas que tenham o risco aumentado de exposição à infecção. Os voluntários serão acompanhados por 30 meses.

Metade receberá placebo e a outra metade, o imunizante. Cada um tomará quatro doses, com intervalos de três meses entre cada uma.

Mutações

A grande capacidade de mutação do vírus HIV – muito superior à do Sars-CoV-2 – sempre foi o maior obstáculo para a criação de uma vacina eficaz.

A tecnologia usada no novo imunizante é similar à da AstraZeneca desenvolvida contra a covid-19.

Um adenovírus inativado é usado como um ‘cavalo de Troia’ para levar fragmentos genéticos do HIV para dentro da pessoa a ser imunizada, “treinando” o seu sistema imunológico a combater o vírus real. A diferença é que, neste novo produto, estão sendo usados milhares de fragmentos genéticos.

“São muitos tipos diferentes de vírus circulando pelo mundo, a ideia é conseguir cobrir o maior número possível de variantes”, explica Vasconcelos. “(Essa pesquisa) se chama Mosaico porque reúne milhares de fragmentos de HIV.”

Mas, afinal, por que várias vacinas contra a covid foram desenvolvidas em menos de um ano e ainda não se chegou a um imunizante contra o HIV? “A principal resposta é que são vírus diferentes. Não é porque chegamos rápido a uma vacina contra o coronavírus que poderemos chegar na mesma velocidade a um imunizante contra outro vírus”, pondera Vasconcelos.

“Muitas pessoas pegaram covid e se curaram. Ninguém se curou da infecção pelo HIV. Ou seja, de partida, sabemos que é possível curar a covid. A resposta imune contra o HIV é muito menos eficaz.”

Por outro lado, a vacina da AstraZeneca contra a covid-19 pode ser desenvolvida em menos de um ano porque a plataforma do adenovírus já tinha sido desenvolvida na Universidade de Harvard, em 2015.

Sem falar, é claro, do interesse político e do alto investimento financeiro. Agora, as plataformas de RNA mensageiro inéditas, criadas para a covid, podem facilitar, num futuro próximo, o surgimento de mais candidatos a imunizante contra a aids.

“Foram 40 anos de evolução nas pesquisas, houve várias tentativas, pelo menos seis estudos muito grandes”, diz o infectologista Bernardo Porto Maia, coordenador da pesquisa Mosaico no Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo.

“Mas o HIV é um vírus com uma capacidade de mutação muito grande A diversidade genética inviabilizava a criação de uma vacina, sobretudo com as tecnologias antigas que tínhamos.”

Atualmente, 38 milhões de pessoas vivem com HIV no planeta, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU).

Até hoje, pelo menos 33 milhões de pessoas morreram vítimas da infecção. Com a evolução nas técnicas de prevenção e nos tratamentos, a mortalidade caiu de 1,7 milhão em 2004, no pico da epidemia, para 690 mil em 2019 – uma redução de 60%.

A taxa de infecção também caiu. De 2,8 milhões de novas infecções ao ano em 1998 para 1,7 milhão em 2019, queda de 40%.

“Os avanços mais recentes, como a profilaxia pós-exposição, estão mudando o rumo da epidemia. A situação melhorou, mas é inaceitável termos quase 700 mil mortes ao ano por uma doença que sabemos como prevenir e como tratar”, afirma Maia. “Nada melhor que a imunização em massa para combater uma pandemia.”

Confiança

Ativista do coletivo Colid, em prol da diversidade, o pesquisador de Ciências Contábeis da Universidade Federal do Rio de Janeiro Thauan Carvalho, de 26 anos, é um dos voluntários brasileiros do estudo Mosaico, que testa o mais novo e promissor imunizante contra o HIV já desenvolvido em 40 anos de pandemia.

A fase 3 da pesquisa tem a participação de 3.600 voluntários em oito países da Europa, da América do Norte e da América Latina, incluindo o Brasil.

Carvalho tomou no dia 2 de junho a primeira dose do imunizante – no total, são indicadas quatro para a vacina. A próxima está prevista para agosto.

O cientista já teve um relacionamento sorodiscordante (em que uma pessoa é soropositiva e outra é soronegativa) e sabe o quanto a aids é cercada de estigma e preconceito. Ele acredita que seu gesto pode ajudar a reduzir esses danos.

“Para combater o preconceito, precisamos de conhecimento”, diz o pesquisador, que está concluindo um doutorado. “Vivemos em meio a um negacionismo muito forte, um obscurantismo muito grande. Me senti muito feliz de poder ajudar.”

Em macacos, o novo imunizante conseguiu reduzir a infecção em 67% dos casos, um marco na pesquisa da vacina contra a aids.

“Estou muito confiante de que teremos boas notícias vindas da ciência”, diz. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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