Por João Paulo Ferreira | 7 julho, 2021 - 11:53
A difusão de fake news está gerando desinformação inclusive nas aldeias do país. Documentos em poder da CPI da Covid mostram que grupos indígenas ficaram com medo de tomar vacina depois de terem acesso a notícias falsas sobre supostos efeitos causados pelos imunizantes. Eles relataram ao Ministério da Saúde que rejeitaram ser vacinados com receio de virar jacaré, de mudar de sexo, de contrair o HIV e até de morrer. Entre as razões apontadas pela pasta para justificar essas reações, as mais comuns são a disseminação da desinformação e a influência de grupos religiosos que pregam contra a vacina. Procurado, o Ministério da Saúde sustenta que, apesar disso, a vacinação vem sendo feita e que 74% dessa população já recebeu a segunda dose.
A pasta organiza a assistência à saúde indígena por meio de 34 distritos sanitários especiais (DSEIs). Desses, 19 têm relatórios disponíveis sobre as recusas dos índios em aceitar a vacina, além de estratégias para superar a resistência. A maioria é de março e abril. Por serem um grupo prioritário, os indígenas que vivem em aldeias estão entre os primeiros brasileiros a serem imunizados contra a Covid-19. O relato mais comum foi o de fake news, com 23 casos.
Em três localidades diferentes no DSEI Médio Purus, no Sul do Amazonas, houve relato de medo de virar jacaré, e em duas o temor era de que homens virassem mulheres e vice-versa. Em uma delas, 229 índios rejeitaram a imunização por motivos religiosos e fake news, que “foram reforçadas com vídeos amadores que mostram pessoas se transformando em jacaré”, relata o ministério. Nesse mesmo local, outros índios “diziam que a vacina era produzida com partículas do vírus HIV, chip da besta e restos mortais”.
“Os DSEIs iniciaram a Campanha de Vacinação, e aqueles que identificaram dificuldades para o alcance da meta foram orientados a aplicar o plano de sensibilização, uma vez que o principal motivo de resistência nos territórios indígenas ocorre devido à circulação de notícias falsas”, diz trecho da nota técnica assinada por Robson Santos da Silva, titular da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).
O plano de sensibilização inclui visitas a aldeias, rodas de conversa, campanhas de conscientização e elaboração de vídeos com a participação dos próprios índios na língua materna da tribo.
Em entrevista ao jornal O GLOBO, o secretário de Saúde Indígena disse que o ministério tem atuado na capacitação de agentes para explicar sobre os benefícios da vacinação.
No ano passado, criticado por não ter comprado logo doses de Pfizer, o presidente Jair Bolsonaro disse que o contrato isentava o laboratório de responsabilidade sobre eventuais efeitos colaterais:
— Se você virar um jacaré, é problema de você, pô. Não vou falar outro bicho, porque vão pensar que eu vou falar besteira aqui, né? Se você virar super-homem, se nascer barba em alguma mulher aí ou algum homem começar a falar fino, eles não têm nada a ver com isso. Ou, o que é pior, mexer no sistema imunológico das pessoas — afirmou.
Robson Santos da Silva avalia que a reação antivacina entre os indígenas — que, segundo ele, ocorre pontualmente no Pará e no Acre — nada tem a ver com as declarações do presidente:
— Mesmo porque essas pessoas estão no interior, não têm acesso a meios de comunicação, a nada. Então quem divulgou (notícias falsas) são pessoas da própria comunidade.
A nota técnica da Sesai não cita a influência negativa de lideranças religiosas, mas os relatórios produzidos pelos DSEIs, sim. São 15 relatos de interferência desse tipo, mas, em geral, sem detalhes. Um dos que deram mais informações foi DSEI Amapá e Norte do Pará, afirmando que houve “uma negativa pontual, principalmente de cunho religioso nas aldeias de maioria evangélica, que fizeram muitos indígenas acreditarem que com a vacinação sofreriam de males do corpo e da alma”.
No DSEI Médio Purus, “muitos receberam informações falsas que os encheram de medo, alegando que a vacina os mataria em pouco tempo e todos faziam parte de um grande experimento de extermínio. A maior parte dessas informações errôneas foram disseminadas por missionários que atuam na região, e pelo fato de muitos compreenderem a língua desses grupos e já possuírem relações duradouras, as equipes de saúde, bem como a Funai, não conseguiram contornar os efeitos negativos que as fake news estavam causando.”
O Ministério da Saúde informou que reservou para a saúde indígena R$ 59,6 milhões em 2020 e, até o momento, R$ 29,2 milhões em 2021.
23 novembro, 2024
Feito com amor ♥ no glorioso Estado de Mato Grosso do Sul - Design por Argo Soluções