Por João Paulo Ferreira | 26 setembro, 2024 - 17:00
Após quase 70 anos de conflito fundiário, produtores rurais e indígenas da etnia Guarani Kaiowá, em Mato Grosso do Sul, firmaram um acordo histórico que promete pôr fim à disputa pela Terra Indígena Ñande Ru Marangatu, localizada no município de Antônio João. A conciliação, homologada pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), nesta quarta-feira (25), prevê o pagamento de R$ 198 milhões aos produtores rurais e a devolução pacífica das terras aos indígenas.
O valor total do acordo inclui R$ 27,8 milhões pelas benfeitorias realizadas pelos proprietários, corrigidos pela inflação e pela taxa Selic, o que elevará o montante para mais de R$ 80 milhões. Além disso, o acordo, de caráter excepcional, também prevê o pagamento de R$ 102,1 milhões pela terra nua, algo não previsto pela Constituição brasileira. O governo do estado de Mato Grosso do Sul, sob a gestão de Eduardo Riedel (PSDB), também contribuirá com R$ 16 milhões, somando o valor total acordado entre as partes.
Conciliação após décadas de impasse
O governador Eduardo Riedel destacou a importância do acordo, afirmando que a resolução pacífica do conflito era uma meta de longa data. “Esse é um passo histórico na pacificação de conflitos fundiários em Mato Grosso do Sul, uma busca que perdurou por 25 anos. Estamos comprometidos em garantir que as partes envolvidas sejam respeitadas e que a paz prevaleça”, declarou Riedel.
O acordo é visto como uma conquista significativa não apenas pela magnitude financeira, mas também pelo simbolismo de resolver um dos conflitos agrários mais prolongados do país. A Terra Indígena Ñande Ru Marangatu, com 9.570 hectares, foi reconhecida como área indígena no final da década de 1990, mas a disputa judicial se arrastava desde então, marcada por episódios de violência e mortes. O retorno dos indígenas ao território é considerado um marco para a etnia Guarani Kaiowá, que há anos lutava pela posse das terras.
Compromissos e prazos
Com a homologação do acordo, os produtores rurais se comprometeram a desocupar a área dentro de 15 dias após o pagamento das benfeitorias. Após esse prazo, os 1.349 indígenas Guarani Kaiowá poderão voltar a ocupar a terra de forma pacífica. Entre os proprietários rurais beneficiados, o maior valor das indenizações será destinado ao produtor Pio Silva, dono das fazendas Barra, Cedro e Fronteira, que receberá R$ 13,3 milhões. Clarinda Barbosa Arantes, proprietária da Fazenda Primavera, ficará com R$ 6,7 milhões pelas benfeitorias realizadas.
Além dos pagamentos diretos, o acordo prevê uma série de compromissos para garantir a transição pacífica. Entre eles, a suspensão imediata de quaisquer atos de hostilidade entre as partes. A Polícia Militar do Estado de Mato Grosso do Sul manterá policiamento ostensivo na área da Fazenda Barra e na estrada até a rodovia, garantindo o uso proporcional da força apenas em casos estritamente necessários, conforme consta na ata do encontro que formalizou o acordo.
Importância política e social do acordo
A audiência de conciliação foi convocada pelo ministro Gilmar Mendes e reuniu, além dos representantes dos produtores e das lideranças indígenas, integrantes da Funai, da Advocacia-Geral da União, do Ministério dos Povos Indígenas e do Governo do Estado de Mato Grosso do Sul. O deputado estadual Pedro Kemp (PT), um dos principais articuladores do lado indígena, comemorou o desfecho, destacando a resistência e luta do povo Guarani Kaiowá ao longo das décadas de disputa.
Em discurso na Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul, Kemp destacou a importância do momento: “Ficamos muito felizes com essa decisão no dia 25 de setembro no Supremo Tribunal Federal e que agora, definitivamente, a Comunidade Guarani Kaiowá de Ñande Ru Marangatu possa entrar na sua terra e celebrar a sua vida, a sua história, a sua resistência. Foi preciso que um dos seus filhos, Neri Guarani, derramasse o seu sangue para que seu povo pudesse, enfim, retornar à sua terra”. Neri da Silva, jovem indígena morto em confrontos na região, foi lembrado no acordo, que prevê uma cerimônia religiosa e cultural em sua homenagem no próximo sábado (28), no local de seu falecimento.
Precedente para outros conflitos fundiários
O acordo, além de encerrar o litígio em torno da Terra Indígena Ñande Ru Marangatu, estabelece um precedente para a resolução de outros conflitos fundiários que ainda afetam comunidades indígenas e produtores rurais no estado de Mato Grosso do Sul e em outras regiões do Brasil. A Advocacia-Geral da União e o Ministério dos Povos Indígenas, representado por Sônia Guajajara, deverão visitar a terra indígena nos próximos dias para oficializar o retorno dos indígenas à área.
Com a homologação, todos os processos judiciais relacionados à disputa pela terra serão extintos, sem resolução de mérito, garantindo a conclusão legal do caso. O estudo antropológico realizado pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) foi crucial para a definição da área como território tradicionalmente indígena, comprovando que a ocupação pelos Guarani Kaiowá remonta à década de 1940, quando foram expulsos da região.
A partir de agora, os Guarani Kaiowá poderão reocupar a terra de maneira pacífica, marcando o fim de um dos conflitos mais emblemáticos do país. A expectativa é de que o exemplo de Mato Grosso do Sul sirva como referência para resolver disputas semelhantes em outras regiões do Brasil, onde questões de posse de terras indígenas ainda geram tensões entre comunidades locais e produtores rurais.
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