Se você ainda acha que guerra é coisa de trincheira, soldado marchando e tanque cruzando deserto, é hora de atualizar o software. O conflito entre Israel e Irã vem deixando claro: a guerra do futuro já começou — e ela está sendo travada com drones, algoritmos e linhas de código.
Hoje, os mísseis voam, sim, mas os ataques também vêm por e-mail, por app, por bot, por backdoor. É a era da guerra digital, onde servidores, sensores e satélites valem tanto quanto munição. E o mais louco: boa parte dessa batalha acontece longe dos olhos do público, mas bem perto das nossas tecnologias do dia a dia.
A história é digna de roteiro de cinema. Em 2010, o vírus Stuxnet, criado por Israel e EUA (segundo documentos vazados), invadiu as usinas nucleares do Irã e sabotou suas centrífugas. Tudo sem disparar uma bala.
De lá pra cá, o Irã reagiu investindo pesado em ataques cibernéticos, mirando desde bancos até infraestrutura elétrica de Israel. O jogo virou uma corrida por supremacia digital, onde o teclado é tão poderoso quanto o canhão.
Israel, por sua vez, é referência mundial em cibersegurança. A maioria dos sistemas é protegida por IA que detecta e responde a ameaças em tempo real, muito antes de qualquer humano perceber. É algoritmo contra algoritmo.
Já ouviu falar em enxames de drones (drone swarms)? Imagine dezenas de drones voando juntos, se comunicando entre si, contornando obstáculos, escolhendo alvos sem ninguém pilotando diretamente.
Parece ficção científica? Pois é exatamente o que Irã e Israel estão usando.
Israel tem drones de ataque com visão noturna, reconhecimento facial e até armas embarcadas. Já o Irã surpreendeu o mundo ao lançar ataques coordenados com drones e mísseis em massa, justamente para tentar saturar os sistemas de defesa israelenses.
Um dos orgulhos tecnológicos de Israel é o Iron Dome — o “Domo de Ferro”. Ele consegue detectar foguetes, calcular a rota, prever o ponto de impacto e lançar um míssil interceptador, tudo em menos de 10 segundos.
Tudo isso com apoio de inteligência artificial, que decide em tempo real qual ameaça vale a pena interceptar. Por quê? Porque o custo de cada míssil é altíssimo — então o sistema escolhe, com base em dados, o que representa real risco e o que pode “cair no deserto.”
Curiosidade: enquanto o Iron Dome intercepta um míssil que custa US$ 300, o míssil interceptor custa até US$ 50 mil. Ou seja: tecnologia boa é aquela que sabe quando não agir.
O campo de batalha também está nas redes sociais. Bots, perfis falsos, vídeos manipulados e campanhas coordenadas são usados para moldar a opinião pública.
Em tempos de TikTok e Telegram, vencer a guerra da informação pode ser mais importante do que vencer no campo.
O uso de deepfakes (vídeos falsos realistas gerados por IA) já gerou pânico e desinformação em ambos os lados. E o mais assustador: muitas vezes o cidadão comum não faz ideia de que está sendo manipulado como parte da guerra.
A guerra entre Israel e Irã mostra o que nos espera num futuro não tão distante: conflitos híbridos, onde drones atacam, algoritmos defendem e os civis são alvo da manipulação.
Além das explosões, drones e ciberataques, o conflito entre Israel e Irã também nos obriga a olhar para outro front: o direito internacional nuclear.
Para isso, ouvimos a sul-mato-grossense Patrícia Anache, advogada com atuação no Brasil, Portugal e Inglaterra, doutoranda em Direito Internacional pela Universidade de Coimbra e especialista em Direito Internacional Nuclear pela Université de Montpellier, na França.
“O conflito entre Irã e Israel revela os dilemas do Direito Internacional frente às tensões nucleares e aos novos formatos de guerra. O Irã, signatário do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), está sujeito à fiscalização internacional, enquanto Israel, que não aderiu ao tratado, mantém uma política ambígua sobre seu arsenal nuclear. Essa assimetria jurídica gera tensões e questionamentos sobre a universalidade das normas globais. Israel, por sua vez, invoca seu direito de existir diante de ameaças reais ou potenciais, e fundamenta ações preventivas no artigo 51 da Carta da ONU, que trata da legítima defesa. No entanto, a ampliação desse princípio para justificar ataques antes de uma agressão efetiva ainda é controversa no Direito Internacional. Soma-se a isso o avanço da guerra digital, que levanta questões inéditas: um ciberataque pode ser considerado um ato de guerra, especialmente se comprometer a segurança nuclear? O cenário mostra que os tratados vigentes, ainda baseados em uma lógica da Guerra Fria, precisam ser revistos para lidar com os riscos híbridos e as novas dinâmicas de poder do século XXI.”
A fala de Patrícia traz à tona uma camada muitas vezes ignorada: os tratados, as brechas jurídicas e os desafios éticos de uma guerra onde o botão pode ser tão perigoso quanto o míssil.
No Bug do Cerrado, a gente traduz tecnologia sem firula, direto do campo de batalha digital para o seu cotidiano.
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Como sempre destacamos, as opiniões expressas pelos colunistas não representam, necessariamente, a opinião do jornal O Sul-mato-grossense. Este é um espaço aberto ao debate, respeitados os limites da legalidade e do respeito.