Foi sancionada na última segunda-feira (13) a lei federal que proíbe o uso de celulares em escolas públicas e privadas de todo o Brasil. A norma restringe o uso dos aparelhos nas salas de aula, intervalos e recreios, permitindo sua utilização apenas para fins pedagógicos, quando autorizado pelos professores. A medida busca proteger crianças e adolescentes dos impactos negativos das telas na saúde mental, física e psíquica. Apesar de bem recebida, especialistas apontam desafios em sua aplicação, como a falta de infraestrutura nas escolas, a formação docente e a necessidade de tornar as aulas mais atrativas.
No contexto do Mato Grosso do Sul, a professora Janaína de Paula, que atua há quase 20 anos no Ensino Fundamental e Médio, destacou a necessidade de apoio das famílias e do corpo gestor para que a nova lei seja aplicada de forma efetiva.
“A proibição já estava presente nos regimentos escolares fornecidos pela Secretaria de Educação (SED), mas sua aplicação prática era limitada. A nova lei federal pode dar mais embasamento para reforçar seu cumprimento, mas será necessário o envolvimento das famílias e da gestão escolar para garantir sua eficácia”, explicou Janaína.
Ela também observa que a independência dos alunos do Ensino Médio, aliada à permissividade dos pais, representa um desafio maior. “No Ensino Médio, a mudança no comportamento dos alunos será mais difícil, pois eles já têm autonomia e, muitas vezes, são autorizados pelos pais a usar os celulares livremente”, completa.
Além disso, Janaína destaca que os professores enfrentam uma “queda de braços” ao competir com aplicativos como TikTok e Instagram. “Mesmo com estratégias como vídeos e metodologias ativas, é difícil competir com aquilo que os alunos escolhem. A proibição pode ajudar a reduzir a distração, mas é necessário um esforço conjunto”, avalia.
As discussões sobre a proibição legal do uso de celulares se estendem por mais de uma década. O projeto de lei que agora foi sancionado foi originalmente proposto na Câmara dos Deputados pelo deputado federal Alceu Moreira (MDB/RS), em 2015. O texto foi inspirado em um projeto anterior do deputado Pompeo de Mattos (PDT/RS), que chegou a ser aprovado pela Comissão de Educação e Cultura e a receber parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Contudo, o projeto foi arquivado em 2010 ao fim da legislatura.
O texto aprovado pelo Senado Federal, que agora virou lei, restringe a proibição do uso de celulares à educação básica, ou seja, da educação infantil ao ensino médio. Ele apresenta exceções, permitindo o uso dos aparelhos para garantir acessibilidade, inclusão, atender condições de saúde e assegurar direitos fundamentais dos estudantes.
Além disso, a lei estipula que as redes de ensino e as escolas devem criar estratégias para lidar com questões como sofrimento psíquico, saúde mental e o acesso a conteúdos impróprios. As instituições também deverão estabelecer ambientes de escuta para estudantes que apresentem sofrimento associado à nomofobia, o medo de estar longe do celular.
Heleno Araújo, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), destaca problemas estruturais como um dos maiores obstáculos. “A escola pública está equipada para guardar os celulares com segurança? Tem condições de planejar quando o equipamento será usado pedagogicamente e quando será guardado? Sem uma discussão maior, a lei pode trazer mais problemas do que soluções”, alerta.
Para Hugo Silva, presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), a proibição sozinha não resolverá o problema do desinteresse dos alunos. “Precisamos de aulas mais atrativas e tecnológicas. Proibir o celular por si só não vai garantir que os alunos prestem mais atenção. É necessário um ambiente escolar mais dinâmico e moderno”, afirma. Ele também alerta que, em áreas mais vulneráveis, onde o celular é a principal ferramenta tecnológica dos estudantes, a medida pode agravar desigualdades.
Para Gilberto Lacerda Santos, professor da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, a lei é um reflexo da dificuldade do sistema educacional em integrar as tecnologias às salas de aula. “Isso demonstra uma falência das escolas e da sociedade em entender e incorporar as tecnologias de maneira produtiva. Investir na formação dos professores é essencial para que eles possam lidar com as demandas tecnológicas”, defende.
Apesar dos desafios, especialistas concordam que a regulamentação, se aplicada corretamente, pode trazer benefícios. Janaína de Paula acredita que a proibição pode reduzir as distrações em sala de aula, melhorando o desempenho dos alunos e aumentando a absorção dos conteúdos ensinados. “Isso refletirá não apenas no aprendizado diário, mas também nos resultados de exames como o Enem e vestibulares. Uma educação mais eficaz prepara cidadãos mais qualificados para a sociedade”, conclui.
A implementação da lei exige um esforço conjunto entre professores, gestores escolares e famílias para superar barreiras estruturais e pedagógicas. A medida abre espaço para um debate sobre como equilibrar o uso das tecnologias e garantir que elas sejam um apoio, e não uma distração, no processo educativo.