A nova sensação entre movimentos gospel com estética de clube do Bolinha, o grupo Legendários chegou a Dourados neste fim de semana com uma proposta tão ousada quanto ancestral: restaurar a verdadeira masculinidade, aquela que — segundo eles — ficou soterrada sob anos de “modernidade líquida”, como diria Bauman (provavelmente sem imaginar que seria citado num acampamento evangélico com churrasco e lanterna de cabeça).
Cerca de cem homens, todos devidamente inscritos e com o boleto de R$ 1.700 pago, estão acampados numa montanha próxima à cidade, participando do evento conhecido como “top” — um trocadilho simples, porém eficaz, para descrever a subida física (e metafórica) rumo à essência masculina, à moda de Moisés subindo o Sinai, mas com barraca Quechua e whey protein.
A experiência dura três dias e promete mais do que simples conexão espiritual: ela busca reacender nos participantes o “espírito do homem original”, esse ente mitológico que, segundo os organizadores, estaria ameaçado por forças tão perigosas quanto a sensibilidade emocional, o TikTok e a divisão de tarefas domésticas.
Apesar de se apresentarem como desvinculados de igrejas ou partidos, os Legendários não escondem o viés religioso evangélico nem o alinhamento com pautas da direita brasileira. Os discursos são entremeados de palavras como “honra”, “família” e “hierarquia”, e a trilha sonora não raro alterna entre louvores e batidas militares dignas daquelas cenas que vimos em frente aos quartéis.
O grupo já ultrapassa a marca de 50 mil participantes em todo o país e tem expandido sua atuação com rapidez, sobretudo entre homens em busca de um manual claro para a vida, coisa rara em tempos de zonas cinzentas e masculinidades plurais. Para muitos, o apelo está na simplicidade da fórmula: Deus, suor, disciplina — e talvez uma pitada de testosterona em cápsulas.
Atividades incluem trilhas, cultos ao ar livre e conversas francas sobre como ser “homem de verdade” — expressão que, ali, parece significar tudo aquilo que os anos 1950 deixaram de herança cultural. Não há espaço para dúvidas existenciais ou desconstruções filosóficas: aqui, o caminho é para cima, literalmente.
A edição douradense termina no domingo, mas outras subidas já estão programadas em diferentes estados. Ao que tudo indica, os Legendários continuarão seu avanço, montanha por montanha, como uma espécie de reconquista espiritual das altitudes — ou, ao menos, da autoestima masculina.